Onde estão os
caras-pintadas?
Coloridos e barulhentos eles cobriam a
Avenida Paulista de ponta a ponta.
Pediam liberdade, respeito, garantias
para viver sua escolha. Era o movimento
gay e seus simpatizantes que reuniam
centenas de milhares de manifestantes.
Meses depois veio o movimento da
maconha. Agredidos, os manifestantes
foram dispersos pelo convincente
argumento de bombas de gás e cassetetes.
A palavra final, no entanto, não foi da
truculência, foi da Justiça que, dias
depois, referendou o direito à
manifestação pacífica também nessa
delicada área.
Palco privilegiado diante dos olhos do
país, a Avenida Paulista oferece
generoso espaço e ressonância às mais
diversas manifestações. Dos memoráveis
caras-pintadas que ajudaram a empurrar
um presidente rampa abaixo, à quase
invisível meia dúzia de manifestantes de
origem árabe que vejo nesta manhã de
domingo, paródia impotente do lendário
David judeu e sua funda certeira contra
Golias. Protesto que cai no vazio: estes
árabes têm um alvo mas carecem de boa
pontaria.
Outras manifestações marcam a memória de
espaços públicos abertos de muitas
cidades brasileiras. Marcham por Jesus,
por salários, por igualdade de direitos,
pelo fim da violência etc.
Apesar de meu desejo, ainda não vi
manifestação popular significativa
contra a corrupção. Há muito ensaio
ultimamente, mas apenas de caciques. Os
índios continuam descontentes,
resmungando, mas os rostos continuam
limpos. E todos, com ânsias estimuladas
cada dia pela mídia, vamos resistindo,
suportando esse vômito contido que
tortura a consciência e debilita a
moral.
Nem no último setembro, mês da
independência, onde andam os
caras-pintadas? Acabou a tinta ou
diminuiu a consciência?
Enquanto essas perguntas continuarem sem
respostas, vamos colhendo os frutos
amargos da corrupção, safra podre da
cultura do jeitinho brasileiro.
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